Em matéria produzida em maio de 2012, contei um pouco da bela história de um euclidense que fez muito por muita gente dessa terra. No difícil momento que a humanidade atravessa, é bom lembra de quem já estendeu a mão a quem precisava, inflamou palanques políticos e se doou à cidade. Por isso, é bom perguntar: por onde anda Judival Araújo, o Nêgo da Lindaura?
Dobrava o sino da velha igreja com o repicar solene convidando para a missa de domingo. O severo Padre Jackson paramentava-se na estreita sacristia onde descansavam o sono eterno, figuras ilustres que construíram o Cumbe ganhando o direito de ali repousar. Entre os frequentadores mais assíduos da casa, o comerciante Pedro Quirino sempre elegante com sua gravata borboleta e o saquinho de veludo verde como qual recolhia donativos para a causa vicentina.
A Praça da Bandeira onde foi erguida a primeira Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, já nasceu
com o apelido de Rua da Igreja. É nessa “rua” então habitada por boa parte da classe média local, que vamos encontra o menino Judival Araújo, o Nêgo da Lindaura. Nascido em Canudos, então distrito de Euclides da Cunha, migrou por várias cidades da região acompanhando o pai, soldado PM Agnaldo Augusto Araújo. “Meu pai era sempre chefe de destacamento. Como ele era o único soldado, era o chefe dele mesmo”, conta Nêgo aflorando sua impressionante veia humorística.
Em 1959 o soldado Agnaldo e sua mulher Lindaura fixaram-se na Rua da Igreja na casa onde hoje funciona o Martelinho de Ouro. O casal gerou 18 filhos. Seis morreram ainda criança. Dos doze restantes, me lembro especialmente do Nêgo e do Juarez.
A pequena igreja construída no final do século XIX por um metre de obras chamado de Conselheiro (não se trata do beato de Canudos), também construtor do Cemitério de São José e de outras igrejas na região, ocupava uma lateral da praça com os fundos mais ou menos em frente à casa de Pedro Agres de Carvalho, o Pequeno, pai de Joaninha Parteira e avô de Bodoiô, a poucos metros do local onde hoje está Churrascaria da Carminha. Lamentavelmente demolida, a antiga igreja que servia de cemitério para pessoas ilustres, levou com o entulho, uma boa parte da história da cidade.
Juarez, o irmão do Nêgo tem uma história muito peculiar. Dono de inteligência privilegiada e de um gênio indomável, construiu na Policia Militar da Bahia uma carreira brilhante, porém cheia de altos e baixos. Ao contrário do que conta a história, foi ele o primeiro Euclidense a chegar ao posto de Coronel através de formação regular. Entre brigas, episódios envolvendo álcool e outras ocorrências não elogiáveis, concluiu brilhantemente o curso de oficial e percorreu todas as etapas até atingir o posto de Coronel. Morreu aos 65 anos.
Na Rua da Igreja, reunia-se com o Nêgo para partidas de futebol e diversas traquinagens, um grupo formado por Rivaldo, hoje comerciante na Avenida Ruy Barbosa, Zué, Bodoiô, Reginaldo e Totinho, filhos de Miguel Fogueteiro, e os saudosos Domingos de Guilherme, Aderno e Gildão.
Ente as traquinagens do Nêgo, a mais carregada de adrenalina consistia em correr sobre as paredes da nova igreja em construção e ainda sem teto a mais de 15 metros de altura. A plateia se enfileirava entre assovios e aplausos.
Em 1961, uma tragédia ceifa a vida Miguel Fogueteiro e a família Maia, muito ligada à família de Nêgo muda-se para Salvador e junto vai o traquina procurando melhor condição de vida. Todos os Maia conquistaram espaços importantes nas atividades que abraçaram. Nêgo não decepcionou. Em 1964 ingressou no Corpo de Fuzileiros Navais onde se aposentou como sargento em 1969 ao se ferir gravemente em um salto de paraquedas, divisão na qual atuava.
E foi após cair do céu que Nêgo retornou a Euclides da Cunha, juntou seu soldo e economias para tentar melhorar a vida dos familiares que aqui ficaram.
Inteligente, bem informado e líder por natureza, colaborou em diversos projetos ajudando a melhorar a qualidade de vida de parentes, amigos e até de simples conhecidos.
Participou de diversas campanhas políticas sem nunca se candidatara a qualquer cargo eletivo e, em várias administrações, atuou como responsável por algum setor, sem nunca receber um tostão de salário. “Sou aposentado. Já recebo do Governo Federal e por isso, acho que devo dar a minha contribuição sem receber mais nada”, justifica ele.
Irreverente e cheio de tiradas humorísticas e filosóficas, consegue com graça dizer tudo que pensa das pessoas sem nunca as ofender. Chama alguns de velho, outras de feia, alguns de analfabetos… diz o que bem quer sempre com um sorriso franco e uma carga de humor que só ele sabe fazer. Dito por qualquer outra pessoa, as palavras dele soariam como ofensas.
Somos resultados de um estrato social atípico. Fui criado em Euclides da Cunha que tinha uma população predominantemente parda, uma grade quantidade de brancos notadamente da família Abreu e negros que foram amigos de infância e que na nossa cabeça nunca fez e faz qualquer diferença. Entre outros que aqui residem, o Nêgo da Lindaura (na foto com o saudoso Zeca Dantas) é um desses para quem racismo é apenas uma piada que ele utiliza com frequência. E é essa irreverência inteligente que faz dele um ser impar que transita em qualquer ambiente, em qualquer classe social, em qualquer tendência política sempre se impondo como um cara que caiu do céu e sabe tanto olhar para cima como para baixo.
Homem de muitas amizades. Na sequência de fotos, com a amiga Lucinha, em desfile cívico ao Lado do prof. Delço Matias e com Tonheco Dantas.
Nego é gente boa, merece consideração!
Lembro quando vinha do Rio de Janeiro da treinamento para o desfile de 7 de setembro.
A gente morria de medo rsrs.
Grande Judival.
Sem falar do balões que ele fazia na época de São João e anos eleitorais.
Lamentavelmente, Euclides da Cunha é uma cidade sem memória. Tinha tudo para ser o mais importante polo da região, mas está perdendo o lugar para Pombal. Virou uma cidade sem ordenamento urbano e sem lei. Virou o paraíso de aventureiros sem princípios e sem regra. Acorda meu povo!
Euclides da Cunha tem histórias, muitos personagens que não caberiam em um só livro, bom era passear na praça e depois ir no bar do Chico, onde era o Acre, tomar uma no bar do Quente-frio, onde funciona a Princesinha, dançar na boate Barril, tomar sorvete em Dona Raimundinha de Quito e ainda comer na Churrascaria Campineira de Eduardo. Que bom que você Celso resgata um pouco da história e das pessoas dessa terra que amamos.
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