Atravessei nervosamente o enorme salão da Associação Cultura e Recreativa de Euclides da Cunha – ACRE e me dirigi à fila de cadeiras onde as daminhas ficavam sentadas durante o matiné de domingo e timidamente convidei para uma dança, a mais simpática, comunicativa e habilidosa nos passos de bolero. “Você aceita dançar comigo”, disse-lhe eu com a voz tremulo e olhar pidão. Ela mediu discretamente a minha pequena e desajeitada estatura e quase com pena prometeu-me a próxima dança.
Estávamos em meados dos anos 60. O espaço que posteriormente foi adquirido pelo saudoso Edmundo Esteves de Abreu que inteligentemente aproveitou a sigla ACRE e a transformou em Alvorada Clube Recreativo Euclidense, clube particular que fez histórias que encantam e marcaram a vida das gerações posteriores à minha.
O antigo ACRE era frequentado pela elite da cidade. Só os sócios (Importantes cidadãos que precisavam de certos requisitos para fazer parte do clube) e seus filhos podiam frequentá-lo. Na verdade, o clube não era conhecido pela sigla ACRE. Era a “Sociedade”. A Sociedade era uma espécie de galpão com várias janelas e uma única porta na sua extremidade direita. Durante os eventos que lá ocorriam, as janelas ficavam abertas para que a população que não tinha acesso ao clube pudesse assistir o que se passava nas festas, observar o comportamento das pessoas, em especial das moças e no dia seguinte comentar na cidade o que ali se passara.
À época, a Av. Ruy Barbosa era um misto de comércio e boas residências. Entre elas a de Pedrinho dos Campos,
sergipano de Simão Dias que se estabeleceu com comercio e residência na casa onde até hoje vive alguns dos seus herdeiros e é uma das poucas que se encontra absolutamente preservada embora sofra algumas desvantagens do progresso como denotam as grades que aprecem na foto atual do imóvel. Sr. Pedrinho e D. Argemira tiveram sete filhos. Entre eles, Aidê que reside até hoje no mesmo local e é figura querida na cidade. Sua idade é indefinida. Mas quem a vê de domingo a domingo correndo pelas ruas da cidade entre quatro e cinco horas da manhã, arrisca a lhe atribuir cerca de 70 anos.
Outro dos filhos do casal é o brilhante jurista Elieze
Santos que ganhou essa grafia por obra e graça do saudoso escrivão Zuca Moura. Elieze é uma figura emblemática da Justiça Baiana. Como advogado de uma instituição bancária e no cumprimento do dever, foi vítima de um atentado que quase o deixa inválido. Para a felicidade dos amigos e do direito, Elieze continua atuante e respeitadíssimo nos círculos jurídicos do país. Low profile, Elieze de vez em quando aprece em Euclides da Cunha, gosta de bons vinhos, é culto, viajado e prospero fazendeiro no Sul da Bahia. Infelizmente as gerações mais recentes da cidade, sequer têm noção da importância desse cidadão.
Elieze não chegou a frequentar o Educandário Oliveira Brito. Terminou o curso primário bem antes da implantação do educandário. Eu terminei um ano antes e fui cursar o ginasial em Tucano retornando no ano seguinte para cursar aqui o segundo ano. Isso foi em 1963. Naquele ano, as meninas do educandário usavam esse uniforme que instigava e instiga até hoje os hormônios masculinos, mesmo que naquela época isso tivesse de ser escondido no mais recôndito dos nossos pensamentos. A foto das meninas é em frente ao portão principal do Educandário Oliveira Brito. A do desfile de Sete de Setembro é na Praça Duque de Caxias e o porta-bandeira à direita da foto sou eu.
Aidinha, irmã de Elieze, é outra euclidense vitoriosa. Bem-sucedida e conceituada médica em Salvador, ela passou pelos bancos do Educandário Oliveira Brito e frequentou as domingueiras da “Sociedade”. E foi numa dessas domingueiras que o menino tímido e franzino se dirigiu à bela Aidinha e fez o convite para dançar. “Olha Celso, estou um pouco cansada agora, mas me chame na próxima”, respondeu elegantemente.
Esperei ansiosamente que terminasse de rolar na radiola Zilomag do clube aquela faixa do Bienvenido Granda, “El Bigode Cantante” e nervosamente voltei a estender a mão para Aidinha. Aos trancos, barrancos (meus) e muita felicidade, terminei a aquela que fora a minha primeira dança e acompanhei a daminha até ao local do seu assento e agradecendo perguntei: “E então, dancei direitinho?” “Dançou mas não me chame mais não!”, respondeu objetiva.
Desse dia em diante, toda vez que alguém me oferece algo que não gosto, aceito e experimento. Quando me perguntam: E aí; gostou? “Gostei, mas não me ofereça mais não”. Respondo sem titubear e sempre me lembro da querida amiga Aidinha.
Celso Mathias (publicação original em 12/2013
Blz Celso a reportagem, agente volta aos velhos tempos.
O porta bandeira do lado esquerdo, estar parecendo com Zé do Neluzinho, irmão do Mudinho Doido.
(Mudinho Doido, pq era o apelido dele na época).
Curinga, o porta bandeira, é o João Evangelista, um aluno de Canudos que ficou pouco tempo por aqui e hoje, se não me engano, mora em São Paulo!
Saudades destes tempos idos..Eu já fui da época do ACRE.
Nossa, que legal essa historia!! Fiquei imaginando como era Euclides naquela época… muito bacana saber que temos conterrâneos tão especiais por aí… a querida Aidê, sempre jovem e vaidosa, conhecida por todos, além de atleta, dançarina fina, a Aidinha deve ter aprendido com ela!! Kkkk
Essas estórias que o Celso conta são, simplesmente, espetaculares. Parece, mesmo, que vivi em Euclides. Volto ao passado em Tapiranga no tempo da escola primaria e Jacobina na época do ginásio. Acho que naquele tempo era a mesma coisa em todas as cidades. Parabéns! Celso por ter esse grande arquivo e obrigado por fazer a gente relembrar os bons tempos.
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